terça-feira, 4 de junho de 2013

Vale Tudo

Os desmandos que assolam nossa nação estão criando uma espécie de jurisprudência universal. E o problema não é falta de memória, mas ausência de educação 

Por | Tom Coelho (*)  

"Nunca estivemos tão distantes do país com que um dia sonhamos." (Celso Furtado)

No placar final da votação pelo afastamento de Renan Calheiros, contabilizamos 40 coniventes, 6 covardes e apenas 35 indivíduos dotados de um mínimo de bom senso.

Escondidos sob o véu do anonimato proporcionado pelo voto secreto, os senadores demonstraram seu caráter, aquele conjunto de traços comportamentais e afetivos que, segundo Heráclito de Éfeso, determina o destino. Gosto de definir caráter como aquilo que se faz quando ninguém está olhando.

Esqueçam a utopia da "resposta das urnas". O último pleito conduziu ao Congresso Nacional personalidades como Paulo Maluf, Clodovil Hernandez e Waldemar Costa Neto, destruindo a tese de que há retaliação popular através do voto. A maioria sequer lembra-se dos nomes de quem ajudou a eleger. E o problema não é falta de memória, mas ausência de educação.

Renan foi o braço direito de Fernando Collor (PRN) durante as eleições de 1989 e seu líder no Congresso, em 1990. Mais tarde assumiu a pasta da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ao longo desta trajetória, sempre confrontou o PT de Aloizio Mercadante e Ideli Salvatti, os mesmos a apoiá-lo e inocentá-lo agora. Juan Domingo Perón, ex-presidente argentino, tinha razão: "O poder é como um violino. Toma-se com a esquerda e toca-se com a direita".

Há um preceito jurídico denominado "jurisprudência" que corresponde a uma decisão judicial final tomada pelos tribunais superiores na interpretação das leis. Decisões recorrentes que se tornam fonte de direito, inquestionáveis, norma geral enquanto não houver sobreposição de uma nova lei.

Os desmandos que assolam nossa nação estão criando uma espécie de jurisprudência universal. Tudo é defensável, não há mais regras nem exceções. Há apenas a subversão da ordem. Um furto na quitanda é passível de reclusão, enquanto um promotor é reconduzido ao seu posto após disparar 12 vezes contra dois jovens, assassinando um deles.

O clamor cívico por justiça é tão retumbante que a decisão do Supremo Tribunal Federal de acatar as denúncias contra os 40 mensaleiros foi vista como um ato de heroísmo, quando deveríamos apenas entendê-la como dever de ofício.

Então ficamos assim: se eu atirar, foi legítima defesa; se meu imposto de renda estiver incompatível, foi por um lapso no preenchimento; se você me proteger, não contarei o que sei a seu respeito.

O problema é que os pobres não têm acesso a bons advogados e a argumentos de defesa lastreados em jurisprudências adequadas.


(*) Autor:

Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países. É autor de "Somos Maus Amantes - Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento" (Flor de Liz, 2011), "Sete Vidas - Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional" (Saraiva, 2008) e coautor de outras cinco obras. Contatos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br.

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