sábado, 30 de outubro de 2010

Derrubada do muro não finda problemas




Conforme divulgado ontem no De Olho em Ubatuba, finalmente, foi derrubado o muro que obstruía indevidamente uma servidão de passagem, ligando as praias do Itaguá e Vermelhinha em Ubatuba. Apesar de ter sido derrubado o muro, os problemas, decorrentes da insistência de poucos em obstruir o que muitos utilizam, ainda deverão continuar, pois bom senso, cidadania, direito adquirido e área pública, não são termos usuais e nem sequer respeitados por alguns, que só enxergam o próprio umbigo e os próprios e mesquinhos interesses.

Para que o leitor possa melhor entender o que realmente ocorreu e como se deu a tão sonhada derrubada do muro, é necessário citar que nem todas as ações judiciais terminaram. Há 04 ações, sobre o tema, sendo que três foram apensadas. A primeira de autoria do denominado condomínio residencial Altos da Praia Vermelha face à Prefeitura, foi impetrada uma medida cautelar onde se pretendia que fosse revalidada a autorização municipal de construção do muro, que fora cancelada face a intensa pressão de cidadãos. A segunda foi impetrada pela Associação Amigos do Jardim Alice face ao denominado condomínio residencial Altos da Praia vermelha, visando o cancelamento da autorização de construção dada pela municipalidade e conseqüente derrubada do muro. A terceira trata-se de uma ação declaratória, impetrada como ação principal da medida cautelar, pois a cautelar é uma ação emergencial que requer que, dentro do prazo de 30 dias, seja impetrada a ação principal. Finalmente temos a quarta e última, por mim movida pleiteando, em medida cautelar, liminarmente, a derrubada do muro.

A minha ação cautelar, 869/2010, foi em 03 de setembro de 2010 extinta por ter considerado o MM Juiz que não havia legitimidade para a impetração da mesma. Apesar de não concordar com a sentença e mesmo sabendo da possibilidade de recorrer da mesma, face a existência de jurisprudência em ações locais que respaldam meu entendimento, optei por uma iniciativa diferente e, juntamente com outras pessoas, apresentei representação ao Ministério Público para abertura de ação crime contra os responsáveis pelo muro edificado em área verde. Em que pese o entendimento do magistrado que é, em termos, livre face a discricionariedade, eu pessoalmente, não coaduno com a sentença proferida pelo simples fato de que a medida cautelar é uma ação preparatória e sem que se saiba qual a ação principal a ser impetrada não há que se cogitar em ilegitimidade ativa, principalmente em função da possibilidade de se ter uma ação popular como sendo a principal. De qualquer modo tal situação está superada e foi resolvida de outro modo, conforme já mencionado.

Voltando a questão principal, temos que a possibilidade de derrubar o muro ocorreu em função do andamento concomitante das três ações apensadas. Na ação 851/2010, foi extinto, sem julgamento do mérito, em 27 de outubro de 2010, o processo através da seguinte sentença:

“Compulsando os autos, verifico que o ponto fulcral da demanda está adstrito ao ato administrativo de autorização de construção, o qual, segundo a autora, estaria eivado de ilegalidade e inconstitucionalidade, razão pela qual pretende, por conseqüência, a demolição do muro. Ocorre que a autorização impugnada já foi declarada nula por ato próprio da administração pública, em legítimo poder de polícia e revisão de seus atos administrativos. Não é demais frisar que a Administração Pública detém poderes para rever seus atos, como consectário lógico. Nesse sentido: “Súmula nº 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos a apreciação judicial." “Súmula nº 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos." Dessa forma, declarado nulo o ato administrativo ora indicado como causa de pedir, queda-se remansosa a conclusão no sentido de que a autora carece do direito de ação por falta de interesse de agir, por desnecessidade da via eleita.”

Na ação 861/2010, medida cautelar impetrada pelos que construíram o muro, o MM Juiz cancelou a medida liminar outrora concedida, nos seguintes termos:

“...não se está diante de um julgamento antecipado da lide, mas sim de constatação de fato novo apto a justificar a parcial revogação da decisão de fls. 104/105, por meio da qual determinei que o muro fosse mantido no estado em que se encontrava. Imperioso registrar que o ponto fulcral da demanda, conforme se decalca da inicial dos autos no 1186/10, está adstrito à definição da natureza da passagem, se pública ou privada, mas a ponderação acerca dos direitos envolvidos não pode ser ladeada, pois a manutenção do muro está impedindo que serviços públicos essenciais sejam prestados e que pessoas possam transitar de um local para outro. Assim, tendo em vista a essencialidade dos valores jurídicos ora envolvidos, em âmbito de relevância constitucional, vislumbro que devem preponderar, ao menos por ora, os interesses públicos, em especial porque assim vem ocorrendo há tempos, conforme se colhe dos autos. Portanto, não mais há óbice para a efetivação das medidas administrativas oriundas da declaração de nulidade do ato de autorização da obra. Diante o exposto, revogo em parte a decisão de fls. 104/105, mantendo a decisão de indeferimento da liminar às fls.92/93. No mais, manifeste-se o autor em réplica no prazo de 10 (dez) dias.”

Na ação declaratória 1186/2010, cujo objeto e fundamento, ainda não me dei ao trabalho de verificar, o MM Juiz determinou que a municipalidade fosse citada, através dos seguintes argumentos:

“Ademais, ainda que em termos para decisão, é evidente que caso não proposta a ação principal no prazo legal, a ação cautelar preparatória deve ser extinta sem resolução do mérito. Não se trata, portanto, de mero formalismo ou tecnicidade exacerbada, mas sim de adoção dos preceitos do devido processo legal em prol da segurança jurídica das relações, propugnando-se pela efetividade da Justiça em suas acepções formais e materiais. Diante o exposto, verifico não ser o caso de julgamento do processo no atual estado, razão pela qual deve ser aguardada a citação da demandada. Cobre-se a citação pessoal da demandada, com as advertências de estilo.”

Portanto e de modo resumido, em função do cancelamento da medida liminar, que determinava a permanência do muro no estado em que se encontrava, foi possível que a municipalidade fizesse valer a vontade dos cidadãos, derrubando o muro. Assim não devemos confundir, imaginando que a Justiça tenha determinado a derrubada do muro. O MM Juiz simplesmente cancelou a liminar que impedia qualquer alteração no muro no exato estado em que se encontrava. Do mesmo modo pouco há a comemorar, por parte dos sorridentes administradores municipais, pois se não fosse a incompetência técnica e administrativa ao permitir a edificação de um muro em servidão de passagem e se houvesse fiscalização para constatar que o muro sequer foi construído na área deferida, não teríamos que presenciar a patética cena de um prefeito “dirigindo” uma retroescavadora. Resta saber se o mesmo possui habilitação para tal, se Ubatuba está com problemas financeiros tão graves que o prefeito é obrigado a acumular funções ou, ainda, se o estado das ruas que ladeiam o local do muro é tão precário que somente há acesso com maquinário especial.

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