domingo, 24 de fevereiro de 2013

Tragédia na Boate em Santa Maria e o Controle Social

Texto: Elias Penteado Leopoldo Guerra (*)

Há dois principais aspectos a se considerar nessa tragédia, as suas causas e consequências.

A consequência mais significativa foi a solidariedade nacional que se observou em quase todas as pessoas, independente da situação pessoal de cada um.

A solidariedade é a união, o estar junto das pessoas em sofrimento, é um vínculo de pessoas independentes com sua adesão e apoio, das formas mais variadas, surgindo um sentido moral que vincula todas as pessoas ao infortúnio dos feridos, dos parentes e amigos. É o se tornar unido com uma relação de responsabilidade entre as pessoas, que se sentem obrigadas moralmente a dar apoio a todas as vitimas, diretas e indiretas.

 Foi como uma onda gigante, um tsunami, que ligou e uniu a todos no sofrimento, procurando dar apoio para amenizar a dor dos atingidos, de todas as formas para diminuir as consequências da tragédia. Foi uma relação muito forte, em todos os lugares, em todo o país, abrangendo a todos indistintamente. Esta energia tem que ser preservada para que não seja só uma reação de momento nos instantes seguintes aos fatos face ao chocante impacto da situação É fundamental que permaneça como um comprometimento permanente de união, de ajuda participação constante e perene os demais em todas as suas dificuldades.

 Para que este suporte seja sustentado da melhor forma possível é preciso o estar junto sempre, o sentir que somos um, sentir-se responsável, não atribuir culpa aos outros, à fatalidade e que não ocorra só nas grandes tragédias mas que mantenha como uma chama sempre acessa que não deixe que se apague esse impulso em favor dos demais, da comunidade, de todos, para que se continue contribuindo com sua energia para o bem de todos permanentemente, em todas as circunstancias e em todas as situações, mantendo o se sentir sempre responsável por tudo que afeta a comunidade, o bem estar comum, estar unidos. Isto significa colaborar sempre, não só em emergências.

O outro aspecto da tragédia refere-se às causas que a ocasionaram, pois só se poderá impedir sua repetição, como já vem acontecendo em relação a tragédias semelhantes no passado em nosso País, se forem eliminadas as suas causas, que sempre estiveram presentes e que nunca foram tratadas, eliminadas como se deveriam para se evitar a sua repetição. Embora sempre presentes, caíram no esquecimento e foram ignoradas, tratadas como senão existissem, porque se muda a direção do olhar para se evitar ver aquilo que não se quer reconhecer, para não ter que assumir a sua parte da responsabilidade pela ação para a sua eliminação.

Perceber os riscos, a existência das causas de possíveis calamidades somente quando elas ocorrem é inútil, é hipocrisia, é não querer assumir a sua reponsabilidade permanente por todos e por tudo. Busca-se ignorar a realidade que não está correta ou adequada, pois assim não se sente culpado por não participar e assim se alheia, há a omissão e a permissividade. Esta é a verdadeira causa das tragédias de todos os tipos que assolam a humanidade, nestas não se incluindo, obviamente, as fatalidades naturais, como furações, tsunamis, erupções vulcânicas e outras desta espécie.

A todo o momento, em nosso derredor, sob nossas vistas, há miséria, criminalidade, corrupção, egoísmo, exploração acontecendo, mas as ignoramos, desviamos a vista dessas misérias, fingindo não vê-las para não se comprometer.

Por que, no caso da tragédia de Santa Maria, se permitiu a existência de um estabelecimento claramente inadequado para sua finalidade, por suas instalações, por sua construção, por sua localização imprópria, caracterizando-se como uma enorme armadilha fatal, como demonstrou ser na realidade dos fatos que aconteceram, pois contra fatos não há argumentos. Fica gritante a pergunta de qual a reponsabilidade da Prefeitura, do Corpo de Bombeiros, dos proprietários do estabelecimento, dos músicos e das pessoas que conheciam essas circunstâncias e as ignoraram?

Tudo se resume no excessivo, inconsequente materialismo no qual nossa sociedade vive, pois não assumir seu papel de controle e fiscalização, ver os riscos que existem e ignora-los, tratar como se não existissem é consequência da obsessão pelo consumismo desenfreado, quando tudo é valido, quando se ignoram as consequências, quando tudo é permitido em nome do desenvolvimento da Economia (a sua própria, dissimulada como da “nossa ‘ ou do “nosso País”, motivos pelos quais tudo se justificaria.

Economia, segundo Aurélio Borque de Holanda Ferreira é:
....
5. Ciência que trata dos fenômenos relativos à produção, distribuição, acumulação e consumo de bens materiais.”.

O que se percebe atualmente é:

Produção: sem qualidade, sem produtividade

Distribuição: inadequada, desigual.

Acumulação: desordenada, falsa, muita só para poucos e pouca para muitos.

Consumo:  imoral, sem limites, desordenado, muito para poucos e muito pouco para muitos

Bens materiais: que é o sonho de consumo generalizado, o querer satisfação plena do que é exclusivamente material, não só para a sobrevivência decente e adequada, mas sem limites, cada vez, mais e mais... Bens materiais e seu consumo são a grande preocupação das pessoas, independente se têm o necessário ou não, a obsessão é ter mais e mais...

Esse consumismo irresponsável e inconsequente pode ser percebido no se permitir, não fiscalizar que houvesse uma atividade que atendia a grande número do publico em local que não tinha as condições mínimas de segurança adequadas, como pelo local do estabelecimento, impróprio para esse tipo de estabelecimento em razão do nível ruído que se produz.

Além disto, as instalações do estabelecimento claramente não tinham as condições de segurança necessárias, o que tornam responsáveis todos que tiveram relacionamento com o estabelecimento e com a sua atividade: a Prefeitura, que permitiu seu funcionamento; os Bombeiros que não realizaram sua inspeção e não interditaram sua atividade ou solicitaram que a Prefeitura o fizesse; os proprietários que instalaram materiais inadequados e altamente perigosos, e que, mesmo sem ter a autorização formal para suas atividades, continuaram funcionando; os músicos que se utilizaram de recursos pirotécnicos só para dar uma característica de diferenciação em seus espetáculos, para ter mais sucesso, para assim ganharem mais dinheiro, em vez de se tornarem diferenciados pela qualidade de seu trabalho, e, o que ainda é mais importante, terem adquirido o recurso pirotécnico inadequado, que oferecia alto risco para a segurança do publico, pois, apesar e de terem sido advertidos pelo fornecedor que o seu uso era exclusivo para ambiente externo, tomaram a decisão em razão do custo menor do recurso pirotécnico, de R$4,00 para o destinado a ambiente externo, contra o custo de R$50,00 (pois o preço ofertado foi reduzido de R$70,00) para o adequado para ambiente interno.

O grande risco é que, com o passar do tempo, essa emoção que a tragédia causou se esfrie, desapareça, caia no esquecimento e as pessoas continuem indiferentes às irregularidades, ao desrespeito às pessoas, ao não cumprimento das Leis e se mantenha o habitual desrespeito à pessoa humana e a tudo, bem como a volta do egoísmo, do  consumismo exagerado, do individualismo e assim, lamentavelmente, a história pode se repetir.

É fundamental que haja um despertar de consciência do papel social e da responsabilidade  que cada pessoa tem com os demais e que a omissão e a indiferença são tão maléficas quanto a ação dos malfeitores dos quais, assim, na realidade, todos são cumplices.

É, pois, preciso que todos que realmente se condoeram com essa tragédia assumam permanentemente seu papel de fiscalizador da sociedade, em todos os seus aspectos e que assumam as ações necessárias, denunciando quando houver desrespeito à Lei, à moral e à ética e não desistam, permanecendo unidos aos outros que ajam assim para que se construa um mundo melhor para todos.

(*) Elias Penteado Leopoldo Guerra
Faculdade de Direito USP (largo de São Francisco)
Mestre em Administração - Fundação Getúlio Vargas
Psicologia  - Organização Santamarense de Ensino
Especialização em Psicodrama – Núcleo Eu-Tu (Herialde Oliveira Silva)
Cursos de desenvolvimento humano: Bélgica, Inglaterra, Escócia, Suécia

Um comentário:

pedro tuzino engenheiro civil e Segurança do Trabalho disse...

Esse texto aborda com rara felicidade a questão sociológica deste evento. Numa visão ampla e holística retrata a irresponsabilidade de todos os autores. Pegando um gancho com enfâse na simples análise de um técnico em engenharia ressaltamos que qualquer Equipamento de proteção coletiva é apenas a segunda opção técnica que deve ser concebida após esgotar-se toda e qualquer medidade de eliminação do risco, no caso em pauta a construção deveria obedecer todos os requisitos da boa engenharia e arquitetura, e quase sempre o dono de casa de eventos de massa adequam mal e porcamente instalações não propicia a essa atividade, além do mais não tem o habito de contratar profissionais especializados, e isso com a cobertura ded agentes públicos que criam dificuldades para vender facilidades, tanto Prefeitura quanto as instituições fiscalizadoras, geralmente quem vende segurança, é funcionário público da segurança, quem vende extintores e hidrantes, são funcionários públicos da área de aprovação e fiscalização, logo foge a lógica da extinção do risco e apelam para a proteção e combate pós evento. E no caso em pauta está nitido que os proprietários tentaram adaptações com materiais de facil propagação de fogo e emissão de gases toxicos, isto tudo para tentar burlar a questão técnica disponível para reverberar e atenuar os impactos sonoros. Parabéns Dr. Elias pela análise contundente e precisa. Precisamos sempre lembrar esses eventos para que não caiam no esquecimento do povo.