“A corrupção está no DNA do brasileiro. Quanto mais ladrão mais querido"
Por | Waldo Luís Viana (*)
Sou escritor brasileiro e me considero um legítimo idiota. Afinal, vivo num país que ignora os seus escritores e adora os bandoleiros. Nossos patrícios não leem; preferem pizzas e ladrões. Aliás, reclamam de nossa representação política mas ela é um verdadeiro milagre: nossos políticos chegam a ser melhores do que o povinho que os elege. E nem adianta reclamar, “é isso aê...”
Brasileiro, inclusive, era etimologicamente a alcunha pejorativa que os portugueses punham nos compatriotas que extorquiam a colônia e voltavam ricos para Portugal. Aqui, em se plantando tudo dá, inclusive os ladrões que vieram para cá e aqui frutificaram. A corrupção aqui Caminha desde Pero Vaz – diríamos nós, em inarredável licença metafórica...
Deveríamos nos chamar “brasilianos” para nos livrar da pecha que corre mundo e nos acusa de ser um povo que mentaliza uma fraude a cada três minutos. E temos uma Justiça (Justiça?) muito desigual: rapidíssima com pobres, pretos e prostitutas e lentíssima para com os ricos, que podem protelar sentenças por dez ou vinte anos, graças a advogados caríssimos, cujos honorários são verdadeira “caixa-preta” para toda a sociedade. Diga-se de passagem que tais emolumentos são a única distribuição de renda que nossas elites se permitem conceder para se livrarem indefinidamente da cadeia. E as brechas nas leis são produzidas por seus ventríloquos no Congresso...
Vá um pobre furtar um pedaço de goiabada num supermercado para ver se não acaba numa penitenciária? Não é vero? Assim, o “brasileiro” tem a corrupção no edifício genético e amor entranhado por gatunos e escroques , uma fascinação inconsciente, reprimida em sua economia interior e que só Freud explicaria. “Ah, se eu pudesse ser um deles! Ah, negociata é um negócio em que eu não entrei...” –lamentaria, fazendo beicinho de abandonado...
Por isso, sinto-me um perfeito idiota-escritor! Cheguei aos 58 anos e ainda não roubei nada! Meu Deus, que vergonha! Não irão dizer que preciso de maior malícia, porque só tenho necessidades e algumas dívidas, como qualquer pessoa normal? Como todo idiota, acredito em Deus e acho que Ele me protege de vários perigos e que não me é dado realizar coisas obscenas, comuns para quem não crê realmente Nele.
Não participo de nenhuma quadrilha! – oh que vergonha! Gosto de molhar o papel com tinta – coisa que Nelson Rodrigues dizia que se fosse impedido de fazer morreria de fome. Eu sou um idiota que se não pudesse escrever também morreria de fome e sempre procurei usar minha pena para mover e comover!
Como todo bom idiota, resolvi também ser poeta. E já fui premiado até – vejam só. No entanto, quando falo em qualquer roda sobre o que faço, que sou escritor e poeta, aí me perguntam: “mas você trabalha em quê?”
O brasileiro não pode conceber que alguém possa ser escritor além de Machado de Assis, Jorge Amado e Paulo Coelho. É uma pena que essa seja uma terra em que se mata um leão por dia para sobreviver e só se valorize artista de TV, jogador de futebol, cantor de rap e agora participante do BBB. Teremos também uma Copa do Mundo, uma Olimpíada, sem educação, saúde, estradas, ferrovias, hospitais e com a farsa do pré-sal. Tudo embrulhadinho pela propaganda oficial para o brasileiro – que adora pão e circo – engolir.
E no bojo de toda essa folia carnavalesca, com pano de fundo de axé baiano, vemos o condenado Genoíno fazer “vaquinha” na Internet para pagar as multas estabelecidas pela Justiça como parte da punição por suas traquinagens mensaleiras. Coitado, um ex-terrorista cardíaco, foi apanhado com a boca na botija e enquadrado num processo bíblico no Supremo Tribunal Federal. Em sete anos, o ministro Barbosa, relator do processo, botou na cadeia um grupo que se considerava invulnerável e Genoíno, no meio deles, punho fechado, pediu ajuda digital a toda sociedade para pagar as suas multas.
E não é que conseguiu? Mesmo condenado – coitadinho! –recebeu dos companheiros o numerário aprazado. Alcançou o montante que os ministros arbitraram para a sua reprimenda, como se dissesse a todos: “viram! A sociedade compadecida está me absolvendo!” – refletiu nas entrelinhas na prisão domiciliar em mansão alugada em Brasília.
E esse processo psíquico que se nos apresenta (e me faz mais idiota, ainda) demonstra que o brasileiro não gosta de ver ninguém preso porque nossas masmorras são medievais, aqui, ali e no Maranhão. E esses mensaleiros condenados só cometeram o pecado de comprar quem já era corrupto, só isso, não é? Numa sociedade em que todos são corruptos por princípio, como estabelecer alguma distinção? Como condenar, sem uma pontinha de culpa ou arrependimento?
Pois esse escritor idiota, ghost writer há vinte anos de tanta gente importante, sente uma vontade louca de fazer o mesmo. Não tenho nada. Não tenho bens. Vivo de favor numa casa velha, bem de família, escrevendo meus livros, meus poemas e as encomendas de outros, porque senão nem como. Às vezes, a situação torna-se tão ruim que raciono a comida e as idas ao supermercado.
Na verdade, parece que quem está preso sou eu e não o Genoíno. É ele que tem bons e fiéis companheiros. Eu não. Sou um pobre e idiota escritor brasileiro, completamente surpreso como existem pessoas tão boas, capazes de abluir as faltas de um condenado, contribuindo com dinheiro vivo para a sua ressurreição.
Nesse grande país, quem vale é o Genoíno; eu, não! Não valeu a pena ser tão ingênuo. Coloquei 120 poemas, a cada dia, no facebook, fazendo uma espécie de teste de conteúdo e interesse. Ao final, apenas uma amiga de Alegrete, no Rio Grande do Sul, interessou-se por comprar minha antologia poética. E olha que o livro é baratinho. Mas o brasileiro não gosta de ler: gosta de pizza e de ladrões.
Como sou escritor, poeta e idiota, pedindo desculpas por ter desabafado tudo isso aqui, e em homenagem ao Genoíno e aos tampos que correm, estendo a mão a você, amigo leitor, pedindo-lhe também ajuda, já que tenho dívidas a pagar e gostaria de deixar de ser um cidadão comum inadimplente. Conto com a sua ajuda, sem pejo ou vergonha, apesar de jamais ter sido preso.
Afinal, nasci, cresci e fui educado por meus pais para ter vergonha na cara, mas depois do Genoíno e parafraseando Dostoievsky, tudo é permitido. Deixo meus dados bancários para a sua bondade. Lembre-se de que o que a destra fizer, a sinistra não precisa saber. E quem sabe, tal como o Genoíno, esse idiota escritor possa se libertar dos grilhões que a vida nessa linda Pátria nos traz. E que Deus ilumine o seu caminho, dando-lhe créditos e profunda felicidade.
Enfim, descobri que quem está solto é o Genoíno; quem está preso sou eu...
Autor
Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta.
“Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de uma pessoa do que a falta de dinheiro.”
John Kenneth Galbraith
“A corrupção está no DNA do brasileiro. Quanto mais ladrão mais querido.”
Deputada Cidinha Campos
Sou escritor brasileiro e me considero um legítimo idiota. Afinal, vivo num país que ignora os seus escritores e adora os bandoleiros. Nossos patrícios não leem; preferem pizzas e ladrões. Aliás, reclamam de nossa representação política mas ela é um verdadeiro milagre: nossos políticos chegam a ser melhores do que o povinho que os elege. E nem adianta reclamar, “é isso aê...”
Brasileiro, inclusive, era etimologicamente a alcunha pejorativa que os portugueses punham nos compatriotas que extorquiam a colônia e voltavam ricos para Portugal. Aqui, em se plantando tudo dá, inclusive os ladrões que vieram para cá e aqui frutificaram. A corrupção aqui Caminha desde Pero Vaz – diríamos nós, em inarredável licença metafórica...
Deveríamos nos chamar “brasilianos” para nos livrar da pecha que corre mundo e nos acusa de ser um povo que mentaliza uma fraude a cada três minutos. E temos uma Justiça (Justiça?) muito desigual: rapidíssima com pobres, pretos e prostitutas e lentíssima para com os ricos, que podem protelar sentenças por dez ou vinte anos, graças a advogados caríssimos, cujos honorários são verdadeira “caixa-preta” para toda a sociedade. Diga-se de passagem que tais emolumentos são a única distribuição de renda que nossas elites se permitem conceder para se livrarem indefinidamente da cadeia. E as brechas nas leis são produzidas por seus ventríloquos no Congresso...
Vá um pobre furtar um pedaço de goiabada num supermercado para ver se não acaba numa penitenciária? Não é vero? Assim, o “brasileiro” tem a corrupção no edifício genético e amor entranhado por gatunos e escroques , uma fascinação inconsciente, reprimida em sua economia interior e que só Freud explicaria. “Ah, se eu pudesse ser um deles! Ah, negociata é um negócio em que eu não entrei...” –lamentaria, fazendo beicinho de abandonado...
Por isso, sinto-me um perfeito idiota-escritor! Cheguei aos 58 anos e ainda não roubei nada! Meu Deus, que vergonha! Não irão dizer que preciso de maior malícia, porque só tenho necessidades e algumas dívidas, como qualquer pessoa normal? Como todo idiota, acredito em Deus e acho que Ele me protege de vários perigos e que não me é dado realizar coisas obscenas, comuns para quem não crê realmente Nele.
Não participo de nenhuma quadrilha! – oh que vergonha! Gosto de molhar o papel com tinta – coisa que Nelson Rodrigues dizia que se fosse impedido de fazer morreria de fome. Eu sou um idiota que se não pudesse escrever também morreria de fome e sempre procurei usar minha pena para mover e comover!
Como todo bom idiota, resolvi também ser poeta. E já fui premiado até – vejam só. No entanto, quando falo em qualquer roda sobre o que faço, que sou escritor e poeta, aí me perguntam: “mas você trabalha em quê?”
O brasileiro não pode conceber que alguém possa ser escritor além de Machado de Assis, Jorge Amado e Paulo Coelho. É uma pena que essa seja uma terra em que se mata um leão por dia para sobreviver e só se valorize artista de TV, jogador de futebol, cantor de rap e agora participante do BBB. Teremos também uma Copa do Mundo, uma Olimpíada, sem educação, saúde, estradas, ferrovias, hospitais e com a farsa do pré-sal. Tudo embrulhadinho pela propaganda oficial para o brasileiro – que adora pão e circo – engolir.
E no bojo de toda essa folia carnavalesca, com pano de fundo de axé baiano, vemos o condenado Genoíno fazer “vaquinha” na Internet para pagar as multas estabelecidas pela Justiça como parte da punição por suas traquinagens mensaleiras. Coitado, um ex-terrorista cardíaco, foi apanhado com a boca na botija e enquadrado num processo bíblico no Supremo Tribunal Federal. Em sete anos, o ministro Barbosa, relator do processo, botou na cadeia um grupo que se considerava invulnerável e Genoíno, no meio deles, punho fechado, pediu ajuda digital a toda sociedade para pagar as suas multas.
E não é que conseguiu? Mesmo condenado – coitadinho! –recebeu dos companheiros o numerário aprazado. Alcançou o montante que os ministros arbitraram para a sua reprimenda, como se dissesse a todos: “viram! A sociedade compadecida está me absolvendo!” – refletiu nas entrelinhas na prisão domiciliar em mansão alugada em Brasília.
E esse processo psíquico que se nos apresenta (e me faz mais idiota, ainda) demonstra que o brasileiro não gosta de ver ninguém preso porque nossas masmorras são medievais, aqui, ali e no Maranhão. E esses mensaleiros condenados só cometeram o pecado de comprar quem já era corrupto, só isso, não é? Numa sociedade em que todos são corruptos por princípio, como estabelecer alguma distinção? Como condenar, sem uma pontinha de culpa ou arrependimento?
Pois esse escritor idiota, ghost writer há vinte anos de tanta gente importante, sente uma vontade louca de fazer o mesmo. Não tenho nada. Não tenho bens. Vivo de favor numa casa velha, bem de família, escrevendo meus livros, meus poemas e as encomendas de outros, porque senão nem como. Às vezes, a situação torna-se tão ruim que raciono a comida e as idas ao supermercado.
Na verdade, parece que quem está preso sou eu e não o Genoíno. É ele que tem bons e fiéis companheiros. Eu não. Sou um pobre e idiota escritor brasileiro, completamente surpreso como existem pessoas tão boas, capazes de abluir as faltas de um condenado, contribuindo com dinheiro vivo para a sua ressurreição.
Nesse grande país, quem vale é o Genoíno; eu, não! Não valeu a pena ser tão ingênuo. Coloquei 120 poemas, a cada dia, no facebook, fazendo uma espécie de teste de conteúdo e interesse. Ao final, apenas uma amiga de Alegrete, no Rio Grande do Sul, interessou-se por comprar minha antologia poética. E olha que o livro é baratinho. Mas o brasileiro não gosta de ler: gosta de pizza e de ladrões.
Como sou escritor, poeta e idiota, pedindo desculpas por ter desabafado tudo isso aqui, e em homenagem ao Genoíno e aos tampos que correm, estendo a mão a você, amigo leitor, pedindo-lhe também ajuda, já que tenho dívidas a pagar e gostaria de deixar de ser um cidadão comum inadimplente. Conto com a sua ajuda, sem pejo ou vergonha, apesar de jamais ter sido preso.
Afinal, nasci, cresci e fui educado por meus pais para ter vergonha na cara, mas depois do Genoíno e parafraseando Dostoievsky, tudo é permitido. Deixo meus dados bancários para a sua bondade. Lembre-se de que o que a destra fizer, a sinistra não precisa saber. E quem sabe, tal como o Genoíno, esse idiota escritor possa se libertar dos grilhões que a vida nessa linda Pátria nos traz. E que Deus ilumine o seu caminho, dando-lhe créditos e profunda felicidade.
Enfim, descobri que quem está solto é o Genoíno; quem está preso sou eu...
Autor
Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta.
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