O despacho abaixo refere-se ao indeferimento de liminar na ação impetrada por “Carol” face a Elias Penteado Leopoldo Guerra, Marcos Guerra, O Guaruçá e Ubatuba Víbora
Despacho Proferido 1. Trata-se de demanda pela qual a autora narra que “... vem sendo alvo de publicações que citam seu nome de maneira caluniosa e difamatória e está se sentindo extremamente incomodada com a situação, constrangida perante as demais pessoas, humilhada.” (fl. 04). Com isso, requer que os réus sejam condenados às obrigações de não fazer, consistente em não mais divulgar os fatos relativos à autora, e de fazer, consistentes em retirar as publicações e se retratarem, não obstante a condenação ao pagamento de dano moral. Nesse contexto, requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que “... obrigue aos Requeridos a retirar artigos que incluem o nome da Requerente dos meios públicos onde foram divulgados e se absterem de enviar os mesmos via e-mail, ou qualquer outro meio de comunicação...” até a final decisão desta demanda. 2. O presente caso versa sobre um conflito entre dois direitos fundamentais que somente num Estado Democrático de Direito poderia acontecer, quais sejam: o direito de informação (CF, 5º, IV, V, IX e XIV) e o direito à honra (CF, 5º, V e X). Fixado tal aspecto, esse conflito deve ser analisado sob o prisma do princípio da unidade da Constituição, sendo incabível aplicar à hipótese a técnica subsuntiva, tão cara às regras, em que a incidência de uma elimina a outra. Nesse sentido: “Embora não se possa negar que a unidade da Constituição não repugna a identificação de normas de diferentes pesos numa determinada ordem constitucional, é certo que a fixação de rigorosa hierarquia entre diferentes direitos individuais acabaria por desnaturá-los por completo, desfigurando, também, a Constituição como complexo normativo unitário e harmônico. Uma valoração hierárquica diferenciada de direitos individuais somente é admissível em casos especialíssimos.” (Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 333/334). Diante de tal constatação, ou seja, que na colisão entre dois direitos fundamentais (princípios) não pode haver a supressão por completo de um deles, sob pena de se violar frontalmente a Constituição Federal, doutrina e jurisprudência elegeram a técnica da ponderação dos interesses como a mais adequada para a solução, conforme magistério de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Direito civil: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 158): “Em casos tais (colisão de direitos da personalidade e liberdade de imprensa) não há qualquer hierarquia possível, havendo proteção constitucional dedicada a ambas as figuras. Impõe-se, então, o uso da técnica de ponderação dos interesses (princípio da proporcionalidade), buscando averiguar, no caso concreto, qual o interesse que sobrepuja na afirmação da dignidade humana. Investiga-se qual o direito que possui maior amplitude em cada caso.” A propósito do tema, colhem-se importantes balizas para a ponderação - no caso em concreto de conflito entre direito de informação e direito à honra - no texto da lavra do insigne jurista Luís Roberto Barroso, denominado “Liberdade de Expressão versus Direitos da Personalidade, Colisão de Direitos Fundamentais e Critérios de Ponderação” (in DE FARIAS, Cristiano Chaves, organizador. Leituras complementares de direito civil: o direito civil-constitucional em concreto. Salvador: Jus Podivm, 2009, pp.97/135). Nele, o renomado constitucionalista aponta os seguintes critérios para a ponderação: (i) veracidade do fato; (ii) licitude do meio empregado na obtenção da informação; (iii) personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia; (iv) local do fato; (v) natureza do fato; (vi) existência de interesse público na divulgação em tese; (vii) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos e; (viii) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação. 3. No caso em comento, a notícia veiculada pelos réus dá conta que a autora, na qualidade de encarregada do setor pessoal da Santa Casa de Ubatuba, vem assediando moralmente os funcionários desse estabelecimento, o que tem comprometido a qualidade dos serviços prestados. Em outra passagem, apontam a suposta existência de nepotismo envolvendo a autora. Nesta decisão de cognição sumária, por óbvio, não é possível, nem devido, apreciar a veracidade das informações transmitidas. Da mesma forma, não há indicação pela autora de que o meio utilizado pelos réus para obterem as informações foi ilícito. Ademais, a notícia veiculada diz respeito à autora na sua função de supervisora da Santa Casa de Ubatuba, a qual, ainda que não seja uma pessoa jurídica de direito público, exerce uma atividade de interesse público com o aporte de recursos públicos, o que, em tese, torna a autora, quando no exercício dessa função, uma personalidade pública, não obstante os fatos narrados terem ocorrido dentro da Santa Casa. Vale apontar que as notícias não dão conta de condutas da autora na sua vida privada e na sua intimidade, nem tampouco aponta para suas qualificações morais nesses ambientes, mas sim no exercício da sua função numa entidade paraestatal de atendimento à saúde da população desta urbe. Quanto à natureza do fato e a existência de interesse público na sua divulgação em tese, assim se manifesta Luis Roberto Barroso: “O interesse público na divulgação de qualquer fato verdadeiro se presume, como regra geral. A sociedade moderna gravita em torno da notícia, da informação, do conhecimento de idéias. Sua livre circulação, portanto, é da essência do sistema democrático e do modelo de sociedade aberta e pluralista que se pretende preservar e ampliar. Caberá ao interessado da não divulgação demonstrar que em determinada hipótese, existe um interesse privado excepcional que sobrepuja o interesse público residente na própria liberdade de expressão e de informação.” (Obra citada, p. 125). Assim, entendo que, repise-se, em sede de cognição sumária, pelos fundamentos já expostos no parágrafo anterior, haveria o interesse na divulgação dos fatos, ante a função exercida pela autora, que influencia diretamente na prestação dos serviços ao público. Pela mesma forma, haveria interesse na divulgação dos fatos em razão da atuação da autora na entidade paraestatal de atendimento à saúde. Por fim, acredito que o último critério (prevalência da sanção sobre a proibição) é o de maior força para se concluir pelo indeferimento do pedido de liminar da autora, pois, ao obstar a divulgação da notícia pelos réus, é possível que o direito à informação – tanto no aspecto do direito de divulgar quanto no de direito de receber - seja mitigado de forma a anulá-lo, o que não é o objetivo da ponderação dos interesses, tampouco a melhor visão do Estado Democrático de Direito, sob pena, ainda, de negar vigência a um direito fundamental positivado no Texto Maior. A propósito, valho-me mais uma vez da lição de Luis Roberto Barroso, para quem “o uso abusivo da liberdade de expressão e de informação pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta e a responsabilização, civil ou penal e a interdição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso.” (Obra citada, p. 126) .4. Ante todo o exposto, INDEFIRO o pedido de tutela antecipada. 5. Ato contínuo, designo audiência de conciliação, instrução e julgamento para o dia 03 de novembro de 2009, às 15_h 30 min. Citem-se os réus nos termos da lei. Int.