Texto: Henrique Cesar - Jornal Costa Azul
“Calma, muita calma... Idosos, mulheres e crianças primeiro!”. Ao ler essa frase, que tipo de imagem se constrói em sua cabeça? Tenho certeza que tem a ver com uma emergência, numa calamidade, onde é preciso sair rápido do local para que se possa sobreviver, não é isso?
O Comandante Francesco Schettino era considerado em seu meio, até mesmo para os mais conservadores, um homem notável. Era um dos mais jovens Comandantes dos gigantes e cobiçados navios de cruzeiro que vivem a passear pelas partes mais belas do nosso planeta. Do alto de seu posto de Comandante, tinha mil cento e dez pessoas de prontidão para as suas ordens, e tinha sobre seus ombros a responsabilidade de conduzir dentro de seu navio, além dos mais de mil subordinados, cerca de quatro mil passageiros em busca de férias, diversão e bons momentos para se viver e guardar.
Acontece que, de acordo com a mídia especializada, a vaidade e necessidade de se promover era tanta, que ao passar entre a Ilha de Giglio e o continente Italiano, o Comandante teve a “brilhante” ideia de executar uma manobra, um floreio, uma “gracinha”, conhecida como “reverência”, que consistia em fazer o navio passar bem perto da ilha para impressionar as pessoas em terra. O resto da história, todos sabem. O navio acaba batendo, começa a afundar, e o “brilhante” Comandante foge num bote salva-vidas informando ao Capitão da Guarda Costeira Gregorio de Falco que “estava muito escuro para se fazer o resgate das quatro mil duzentas e cinquenta e duas pessoas a bordo”. "O que é, Schettino, está tudo escuro, e você está a fim de voltar para casa? (...) Volte para o navio! Você é o comandante! (...) Vá à bordo, cazzo!". O “brilhante” foge, se hospeda num pequeno hotel, e é preso pela manhã. O saldo final é de trinta e dois mortos, dois desaparecidos e uma tragédia que nunca mais vai ser esquecida.
Desde pequenos aprendemos a respeitar os mais velhos, a sermos cavalheiros e cordiais com as mulheres, e a servir de exemplo para as crianças. Passamos a vida cobrando e sendo cobrados dessas posturas.
Ubatuba tem muito mais a oferecer que o navio Costa Concordia. Seus treze andares, cinco restaurantes de luxo, treze bares, seu cassino e seu SPA nem fazem cócegas se comparados às “lindas praias de areia dourada”, as “matas e rios”, e o “povo abençoado” que aqui vive, escolheu viver, e decidiu passar o resto dos dias nessa Terra. Nossa cidade tem história, um povo guerreiro e trabalhador e uma Natureza generosa, que é motivo da visita de milhões de pessoas todos os anos.
O Comandante dessa terra, dessa cidade amada por todos também é um homem notável. Durante quase uma década, ele se dedicou a estudar, destacar e dar ampla divulgação aos problemas que essa cidade possui. Criticou, questionou, opinou, prometeu que “Ubatuba iria brilhar”, e exatamente como o Comandante italiano, manobrou nossa cidade em “reverência” aos seus mentores e padrinhos políticos, para que eles pudessem ver o “brilho” de suas luzes, de sua queima de fogos “a La Copacabana”, ainda que de uma janela quadrada e cheia de grades no presídio da Papuda. A consequência de sua desastrosa e pífia administração é vista, vivida e sofrida por todos nós, a essa altura “passageiros da agonia”. A começar pelo transporte de pacientes, que comete a atrocidade de levar o paciente e o acompanhante e (pasmem vocês) voltar sem eles. Uma cidade abandonada, com ruas intransitáveis, saúde cada vez mais precária, o único hospital deixado em segundo plano por uma disputa política. Um Teatro fechado por mero capricho. Um Centro de Convenções inerte por pura incompetência. Uma cidade envergonhada de seus representantes pela farra do nepotismo, por mais de uma centena de processos judiciais, várias licitações sob investigação do Tribunal de contas, merendas que por pura incompetência não chegam às nossas crianças nas escolas, postos de saúde fechados, centro da cidade repleto de moradores de rua, que vagam sem nenhum auxílio, orientação, socorro...
Idosos, mulheres e crianças primeiro, certo? Não por aqui. Aqui, os idosos são negligenciados e desprezados por pura manobra política, chegando a mais de três meses sem uma atividade física. As mulheres devem ficar duplamente em alerta, pois há “massagistas bem abusados” no alto escalão. E para as crianças, há tortura, violência e descaso por parte de quem recebe altíssimos salários para, ironicamente, protegê-las.
Para os que ainda “botam fé” no comandante, um lembrete: O navio Costa Concordia possuía sete compartimentos projetados para não fazer o navio afundar. Com três cheios, ele se inclinou e nunca mais sairá do oceano. Moromizato tem quatro anos para deixar a posição de tagarela para a do homem responsável por fazer Ubatuba brilhar. Ocorre que dois de seus compartimentos já estão inundados. À ele, cabem as palavras do Capitão da Guarda Costeira de Livorno, e herói do triste episódio: “Schettino, talvez você tenha se salvado do mar, mas seu comportamento (como comandante) é verdadeiramente inaceitável. Vá à bordo, cazzo!